Aroldos e meu medo
- Kellen Melo
- 20 de abr. de 2016
- 3 min de leitura

Já é tarde da noite. Meus pés estão molhados. A chuva cai fora do trem velho e os pingos de água fria escorrem pela janela a minha esquerda. O idoso roe unhas, que soam quase no mesmo ritmo das batidas de meus dentes, de frio. A jovem de jeans lê um livro com letras alternativas na capa e desenhos de fantasmas. Não há muito o que fazer, ainda faltam cinco estações, que se aproximam lentamente no entra e sai de passageiros cansados e desanimados.
Suas cabeças agora são abóboras que falam no celular e ouvem música ao conversarem entre si, para dar lugar a uma idosa. Ela parece flutuar enquanto senta e reclama de dores nas pernas. O maquinista agora deve ter pisado no acelerador. A velocidade aumenta e diminui rápido com a próxima parada.
Um vendedor ambulante abre suas sacolas, velhas de saco de estopa e grita com uma voz rouca e irritante. Com seu chapéu de palha e calça rasgada.
- Amendoim doce e salgado um real, só hoje, só hoje...
Comprei.
Revirei o bolso. Achei moedas e chamei o rapaz, que a passos largos me atendeu.
Parece que estou confortável. Mas não. Todo instante sobem homens no trem. Eu tenho medo. Têm dois ao meu lado direito. Não parecem ser maldosos, no entanto, eu temo.
O mais jovem com a cabeça encostada no banco têm suas pernas entreabertas com os braços cruzados. Parece ser de poucos amigos. Têm as mãos grandes, como tesouras de jardinagem. O outro de cabelos grisalhos e barba mal feita, abre um leve sorriso quando embarcam novas garotas. Tem um ar maléfico. Seu nome deve ser Aroldo, vi na camiseta de time que usa. Tem dois filhos. Percebi pelos nomes tatuados nos braços e não gosta de tomar banho, senti pelo cheiro.
Queria estar em casa. Hoje teve prova. Não estudei e demorei para terminar. O homem de talvez nome Aroldo me observa e olha para minhas pernas. Percebeu que notei e continuou. Estou com medo. Falta pouco, mas ele continua a olhar. Gostaria que o trem corresse como estivesse em uma prova de atletismo. Porém, em curvas ele diminui.
Estou suando. Meu coração quer sair pela boca. Minha respiração está ofegante. Arregaço as mangas da blusa de frio e canto baixinho a canção de ninar que minha mãe cantava para eu dormir: Calma meu amor, estou aqui te protegendo, não duvides do meu carinho e feche os olhinhos.
Tento me concentrar nas palavras, fecho os olhos e espero ter a surpresa de quando abrir, ele não esteja mais naquele vagão. Azar o meu. Continua intacto. Agora com os braços apoiados sob os joelhos a me observar.
Li nos noticiários por esses dias que a cada 48 horas uma mulher se queixa de assédio sexual. Eu não queria ser essa. Será que teria alguma regra. Algum modo de sumir da vista dele?
Agora é tarde. Minha estação chegou. Tenho que descer. Corro. Depressa. Sem olhar para trás. Giro a roleta e corro pelas ruas escuras do bairro. Apenas iluminadas por alguns postes acessos. Não vejo ninguém, me vem um alívio.
- Ei, está correndo por que, estou aqui, me espera!
Quando ouvi aquelas palavras. Meu ser se congelou. É imaginação. Não é.
O que eu faço. Não tem ninguém por perto.
Mulher não pode sair sozinha. Mulher não se sente segura. Andamos olhando para os lados. Estou com raiva. Estou temendo. O que eu faço agora??!!
Ele me puxou pelo braço, não é Aroldo. Ou é? Não sei. Um monstro. Olhos grandes. Bafo de pinga. Socorro. Agora me arrasta sem piedade. Fecha minha boca com uma das mãos sujas. Tento me soltar. Criar forças que não tenho. Poe meu corpo junto ao seu, tenta me beijar. Tenho nojo, grito o quanto posso. Chuto ele.
Por sorte ou algo do destino um grupo de rapazes se aproxima.
- Solte a moça!
Gritou em tom de ordem um deles.
- Não solto, ela é minha.
- Solte agora! Ou vai ser pior!
Os jovens o empurram brutalmente. Ele me soltou e me jogou no chão. E saiu correndo no breu da meia noite.
Eu choro até soluçar. Ainda tenho medo, ódio, frio, e uma fraqueza na alma. O grupo de rapazes me ajuda a levantar. Ligo para meus pais, enquanto tremia e temia a volta dele.
Acolheram me, fui para casa. Tomei um chá e deitei ao lado da minha mãe, ainda sem acreditar no que vivi.
Eu não quero mais sair de casa. Mas eu tenho que sair. A vida continua. Até quando isso será assim? Mulheres não podem andar nas ruas sozinhas. Seja dia, tarde ou noite, estamos sujeitas a encontrar Aroldos por aí. Não sei o que eu faço. Estou com medo.
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